A demissão por justa causa costuma cair como um golpe duro na vida do trabalhador. De um dia para o outro, a pessoa perde o emprego, fica com a ficha manchada e, muitas vezes, carrega um sentimento profundo de injustiça. Mas existe um cenário ainda mais delicado: quando o trabalhador enfrenta uma doença psiquiátrica e, mesmo assim, é dispensado como se tivesse plena consciência de cada passo que deu.
Nesse sentido, um caso chamou atenção justamente por isso. Um empregado foi demitido por justa causa sob a acusação de improbidade e quebra de confiança. A empresa alegava que ele teria cometido irregularidades no trabalho, ligadas à concessão de crédito. Porém, o que ficou comprovado no processo é que esse trabalhador era portador de ludopatia — um transtorno psiquiátrico que afeta diretamente o controle dos impulsos e o discernimento sobre as próprias ações.
Vejamos o teor da decisão de relatoria da Desembargadora Eloina Maria Barbosa Machado:
EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA PSIQUIÁTRICA. JUSTA CAUSA AFASTADA. Considerando que o autor estava acometido de doença psiquiátrica e não tinha a capacidade necessária de discernir as consequências dos seus atos, o caso impõe a declaração de nulidade da despedida por justa causa aplicada pela empresa reclamada. Recurso provido . TRT-5 – ROT: 00009822920215050611, Relator.: ELOINA MARIA BARBOSA MACHADO, Quarta Turma – Gab. Des. Eloína Maria Barbosa Machado)
E é aqui que entra um ponto fundamental, tanto humano quanto jurídico: uma pessoa que está adoecida, principalmente por uma condição psiquiátrica, muitas vezes não tem plena capacidade de entender o que está fazendo. Seus atos podem ser consequência direta da doença e não de má-fé ou desonestidade. E foi exatamente isso que a Justiça reconheceu ao afastar a justa causa aplicada pela empresa.
A decisão afirmou que o trabalhador não tinha discernimento suficiente para compreender as consequências dos seus atos no momento dos fatos. Ou seja, ele não podia ser punido como se tivesse agido com intenção ou consciência clara. Ao ignorar a condição clínica do empregado, a empresa falhou no seu dever de cuidado e acabou aplicando uma punição injusta.
Esse caso levanta algumas reflexões importantes. Quantos trabalhadores hoje enfrentam depressão, ansiedade severa, dependência, transtornos compulsivos, síndrome do pânico, bipolaridade? Quantos têm medo de pedir ajuda, de mostrar fragilidade, de ser vistos como “problema” no ambiente de trabalho? E mais: quantas empresas ainda não estão preparadas para lidar com saúde mental, tratando tudo como indisciplina ou má conduta?
O trabalhador não perde sua dignidade porque está doente. Pelo contrário, é justamente nesses momentos que ele mais precisa de proteção. A lei trabalhista reconhece que doenças psiquiátricas podem afetar o comportamento, o raciocínio e até mesmo decisões impulsivas. Por isso, a empresa tem a obrigação de agir com cautela, buscar entender o contexto e, principalmente, não transformar essa situação em punição.
Muitos trabalhadores só procuram ajuda depois de terem sido dispensado. Eessa demora pode custar muito caro. Por isso, se você ou alguém próximo enfrenta um diagnóstico psiquiátrico e está sofrendo pressão, advertências, suspeitas ou até ameaças de justa causa, procure orientação. Não enfrente isso sozinho. Informação e apoio jurídico podem evitar injustiças graves e garantir que seus direitos sejam respeitados.
Se você passa ou passou por algo parecido, procure ajuda especializada.

