A Falta de Proporcionalidade das Multas Contratuais ou Cláusulas Penais em Caso de Rescisão do Contrato por Adesão.

Ainda com dúvidas? Fale agora com um especialista diretamente no WhatsApp:

A cláusula penal, em regra, em contratos por adesão é arbitrada pelo fornecedor de bens ou serviços e aderida pelo consumidor no ato da assinatura contratual, enquanto em outras espécies de contratos parte de uma convenção arbitrada pelas partes, no entanto, o fim é o mesmo: definir antecipadamente uma espécie de pena pecuniária no caso de inadimplemento do contrato. Temos que a multa visa custear danos ou eventuais prejuízos, o que pode ser vantajosa para as partes.

No entanto, no contrato por adesão, nas relações de consumo, pode haver uma disparidade entre as partes, o que pode resultar em uma desproporcionalidade nos valores, tornando demasiadamente onerosa a rescisão contratual, por vezes até impossibilitando-a de uma vez por todas.

Sendo assim, deveria haver certa proporcionalidade, de modo que a cláusula não impossibilite a rescisão com multas elevadas e tampouco inviabilize os negócios com compensações que não abrangem as perdas do fornecedor em razão da rescisão por culpa do consumidor.

A relação contratual é caracteristicamente privada, sendo uma reunião documental de acordos de vontades. Fábio Ulhoa Coelho conceitua contrato “como um negócio jurídico bilateral ou plurilateral gerador de obrigações para uma ou todas as partes, às quais correspondem direitos titulados por elas ou por terceiros.” [1]

Em muitos contratos encontramos a presença de cláusula específica que trata acerca das consequências em caso de rescisão contratual, denominada de cláusula penal. Neste sentido escreveu Maria Helena Diniz que:

Cláusula Penal é um pacto acessório, pela qual as partes contratantes estipulam, de antemão, pena pecuniária ou não, contra a parte infringente da obrigação, como consequência de sua inexecução culposa ou de seu retardamento, fixando o valor das perdas e danos garantindo o exato cumprimento da obrigação principal. [2 ]

Há certa pacificação na Doutrina e na Jurisprudência de que o artigo 408 8 8 8 do Código Civil l l confere corretamente o direito à outra parte ao pontuar em sua redação que “incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que culposamente deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.” [3]

No entanto, ainda se discute acerca da proporcionalidade das sanções, sobretudo em casos de contratos por adesão, instrumento muito utilizado nas relações de consumo, quando geralmente é elaborado apenas por uma das partes e a outra simplesmente adere. Escreve Caio Mário da Silva Pereira que esses são “aqueles que não resultam do livre debate entre as partes, mas provêm do fato de uma delas aceitar tacitamente as cláusulas e condições previamente estabelecidas pela outra.” [4]

Considerando que os contratos por adesão não resultam de uma negociação mais ampla das cláusulas contratuais, na maioria das vezes o fornecedor é quem estabelece a grande maioria das cláusulas e pouco é submetido para que o cliente possa negociar, restringindo, geralmente, aos valores a serem pagos e formas de pagamento, sendo, em regra, pouco provável que se discutirá a cláusula penal e as consequências para casos de adimplementos contratuais, sendo assim, o consumidor somente observa que a cláusula pode lhe ser altamente onerosa tardiamente e, em muitos casos, procura socorro no poder judiciário, que também não encontra facilmente a proporcionalidade almejada, havendo até mesmo debates entre as 3 instâncias.

Para exemplificar e demonstrar que há um debate acerca do tema: Até muito recentemente haviam constantes divergências entre as decisões do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT acerca do percentual previsto em contratos, em sua maioria por adesão, que deveria ser retido em caso de rescisão contratual em contratos envolvendo compra e venda no setor imobiliário. Enquanto o STJ considerava razoável a retenção de 25% dos valores já pagos em caso de rescisão contratual, o TJDFT considerava 25% desproporcional e aplicava o limite de 10%, vejamos os seguintes julgados do STJ e do TJDFT, respectivamente:

PROMESSA DE VENDA E COMPRA. RESILIÇÃO. DENÚNCIA PELO COMPROMISSÁRIO COMPRADOR EM FACE DA INSUPORTABILIDADE NO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. RETENÇÃO PELA VENDEDORA DE 25% NA DEVOLUÇÃO DO QUE FOI PAGO AO COMPRADOR. IMÓVEL NÃO OCUPADO PELO COMPRADOR.

1.- A tese sustentada pela Embargante é a de que o percentual de 25% previsto na jurisprudência da Corte, já leva em conta ressarcimento pela “ocupação/utilização da unidade por algum período e desgaste do imóvel”. Desse modo, quando ainda não entregue a unidade imobiliária, deve ser reduzido o percentual de retenção.

2.- O percentual de retenção tem caráter indenizatório e cominatório. E não há diferenciação entre a utilização ou não do bem ante o descumprimento contratual e também não influi nas “despesas gerais tidas pela incorporadora com o empreendimento” ( EREsp 59.870/SP, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ 9.12.2002).

3.- Continuidade da adoção do percentual de 25% para o caso de resilição unilateral por insuportabilidade do comprador no pagamento das parcelas, independentemente da entrega/ocupação da unidade imobiliária, que cumpre bem o papel indenizatório e cominatório.

4.- Embargos de divergência improvidos.

(STJ – EAg: 1138183 PE 2010/0022620-3, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 27/06/2012, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 04/10/2012) (Grifou-se)

***

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. RESCISÃO CONTRATUAL E DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. RESCISÃO POR CULPA DO PROMITENTE COMPRADOR. RETENÇÃO DE VALOR. POSSIBILIDADE. VALOR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO. PERCENTUAL SOBRE A CONDENAÇÃO. ARTIGO 85§ 2º, DO CPC/2015.

1. Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel por culpa do promitente comprador, a construtora/vendedora faz jus à retenção de parte do valor pago pelo consumidor, de acordo com o Enunciado de Súmula n. 543 do STJ.

2. Esta Corte tem limitado a retenção ao percentual de 10% do valor pago, por considerá-lo justo, sobretudo quando não demonstrada pela construtora nenhuma situação excepcional que justifique a retenção de valor maior.

3. Em se tratando de condenação pecuniária, deve ser observada a norma do § 2º do artigo 85 do CPC/2015 que determina que os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação.

4. Apelação cível do autor conhecida e provida. Apelação cível das rés conhecida e não provida.(TJ-DF 00316287620168070001 DF 0031628-76.2016.8.07.0001, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Data de Julgamento: 10/04/2019, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 26/04/2019 . Pág.: Sem Página Cadastrada.) (Grifou-se)

O debate acerca do tema não é restrito ao setor imobiliário e tampouco aos contratos de compra e venda, mas ao que parece, a maioria dos casos em que se discute a proporcionalidade está ligado aos contratos que disciplinam relações de consumo, mais precisamente aos contratos por adesão, talvez porque neste ramo vigora a máxima de que “não se assina o contrato pensando no distrato”, no entanto, as circunstâncias se impõem e em alguns momentos fogem da vontade dos contratantes.

Nos casos mencionado, em que envolvem o setor imobiliário, a questão parece ter sido resolvida após alteração legislativa, por meio da Lei nº 4.591/2018 no inciso II do art. 67-A, que passou a prever em texto legal que o limite da retenção da pena convencional por rescisão não deverá ser superior à 25% do valor pago, no entanto, a alteração segue no sentido de estabelecer um teto, sem estabelecer um piso.

Notória é, portanto, a atual relevância do tema, mas por que devemos nos preocupar? Porque todos somos consumidores, todos estamos sujeitos a, por razões próprias e pessoais, vê-se obrigado a solicitar um distrato, e, portanto, estamos sujeitos a incidências de consequências contratualmente previstas, sentindo na pele, com certeza gostaríamos de entender melhor a proporcionalidade ou desproporcionalidade adotada.

Mas não somente sob a ótica do consumidor devemos olhar, precisamos considerar também que a cláusula penal é necessária para conferir segurança jurídica e até mesmo financeira ao fornecedor, que contava com aquela relação contratual e de uma hora para outra viu-se sem, nestas situações, a cláusula penal funciona como uma espécie de indenização à outra parte.

Portanto, em que medida a cláusula penal em contrato por adesão pode atender proporcionalmente a todos os agentes integrantes dos contratos? A reflexão encontrada no livro Direito, Economia e Comportamento Humano, mais especificamente no Capítulo 5: “Direito comportamental e multas contratuais: comparação entre a efetividade das sanções positivas e negativas”, escrito por Eduardo Borges da Silva, Leandro Oliveira Gobbo, Benjamin Miranda Tabak e Julio Cesar de Aguiar pode nos ajudar a responder, destaca-se o seguinte trecho:

Ora, se o objetivo do contrato é alterar comportamento por meio da imposição de custos, e se o comportamento dos contratantes não segue as premissas da racionalidade teórica clássica, torna-se interessante a análise do efeito que os vieses comportamentais – no caso, especialmente a teoria do prospecto e a função valor assimétrica – podem ter no cumprimento das promessas conforme o diferente enquadramento das multas contratuais, indicando possíveis maneiras de tornar os custos contratuais mais eficientes para o seu objetivo: alteração do comportamento que leve à cooperação (cumprimento do contrato) [5]. (Grifo dos autores)

As questões são inúmeras, no entanto, considerando que a relação contratual é, em sua maioria, intrinsicamente privada, deveria o poder público estabelecer certas amarras legislativas ou a autorregulação será suficiente para dirimir eventuais desproporcionalidade? Viu-se por meio do exemplo citado que o Poder Judiciário não é pacífico e que a elaboração de Lei não foi suficiente para pacificar.

Também não almejamos grandes mudanças na forma como são convencionadas as cláusulas em relações de consumo, até porque, em geral, são modelos prontos apenas com poucas lacunas para que sejam preenchidas no ato da compra, mas, é preciso debatermos acerca da forma como esses modelos são pensados, sendo que o diferencial do percentual da cláusula penal pode ser apresentado ao consumidor, inclusive, como um diferencial do fornecedor em relação aos seus concorrentes.

Portanto, é preciso aprofundar o debate acerca do tema, especialmente acerca da ausência de proporcionalidade e buscar identificar o tamanho de tal questão em contratos por adesão nas relações de consumo.

[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Pag. 57.

[2] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. 2, Teoria geral das obrigações. 24ª ed. 2013. São Paulo. Editora Saraiva.

[3] BRASIL. Código Civil Lei 10406 de 10 de janeiro de 2002.

[4] PEREIRA, Caio Mário de Silva, Instituições de Direito Civil – Contratos, Vol. III. 23ª ed. 2019. São Paulo. Editora Forense.

[5] GOBBO, Leandro; SILVA, Eduardo; TABAK, Benjamin; AGUIAR, Julio. Direito comportamental e multas contratuais: comparação entre a efetividade das sanções positivas e negativas. In: GOBBO, Leandro et al. Direito, Economia e Comportamento Humano. 1. ed. Curitiba: CRV, 2016. v. único, cap. Capítulo 5, ISBN 9788544409107. E-book.

Deixe seu Comentário: