As fontes do direito e sua definição clássica; As novas fontes do direito processual e Considerações finais.
AS FONTES DO DIREITO E SUA DEFINIÇÃO CLÁSSICA
Por natureza, o Estado de Direito preceitua que o Estado detém o dever de respeitar o cidadão e seus atos e ações devem esta calçados na estrita legalidade, Tércio Sampaio Ferraz Júnior [1] leciona que “o exercício do poder, contínuo e permanente, ocorre agora por meio de instituições, procedimentos e dispositivos de segurança, que fazem surgir uma série de aparelhos de Estado.”
Posto isto, o Direito demanda de fontes para que possamos identificar sua origem e sobretudo possíveis soluções, métodos e formas de dizer o direito. Nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz Júnior [2]:
A expressão fonte do direito é uma metáfora cheia de ambiguidades. O uso da palavra está transposto e pretende significar origem, gênese. As discussões sobre o assunto, que mencionamos, revelam que muitas das disputas resultam daquela ambiguidade, posto que por fonte quer-se significar simultaneamente e, às vezes confusamente, a origem histórica, sociológica, psicológica, mas também a gênese analítica, os processos de elaboração e de dedução de regras obrigatórias, ou, ainda, a natureza filosófica do direito, igualmente vaga e ambígua, confere à teoria uma dose de imprecisão, pois ora estamos a pensar nas normas (direito objetivo), ora nas situações (direito subjetivo) e até na própria ciência jurídica e sua produção teórica (as fontes da ciência do Direito).
Acerca das fontes do direito processual civil, Humberto Theodoro Júnior [3] leciona que “são as mesmas do direito em geral, isto é, a lei e os costumes, como fontes imediatas, e a doutrina e jurisprudência, como fontes mediatas”.
No entanto, com o advento do Novo Código de Processo Civil em 2015 e com a constante evolução do direito processual, tal classificação atualmente é considerada incompleta, uma vez que desconsidera um leque de possibilidades que também são fontes de direito processual e ainda mais ativas e atuais que as mencionadas.
AS NOVAS FONTES DO DIREITO PROCESSUAL
São muitas as demandas judiciais que demandam soluções que, na maioria das vezes, não estão contempladas pela Lei, sendo assim, devem ser consideradas como ferramentas as chamadas Novas Fontes do Direito Processual, como a Constituição Federal, os tratados internacionais, o microssistema dos precedentes e das súmulas vinculantes, as resoluções editadas pelo Conselho Nacional de Justiça e o negócio jurídico processual.
Acerca da Constituição Federal como nova fonte do direito processual, Fernando Natal Batista [4] leciona que:
o Código de Processo Civil de 2015 rompeu com os conceitos herméticos do sistema anterior, ao dispor expressamente em seu artigo inaugural que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os princípios constitucionais e diretivos do acesso à justiça e dos direitos fundamentais, almejando, assim, alcançar a plena satisfatividade da prestação jurisdicional.
O processo atual deve ser, portanto, efetivo. Essa é a sua nova bússola interpretativa.
Nesse cenário, é exigida do julgador a capacidade de se preocupar verdadeiramente com a solução meritória da causa que somente será obtida por um método hermenêutico que obrigatoriamente hoje perpassa pelo sopesamento de princípios aplicáveis à hipótese e, ainda, pela valoração das circunstâncias fáticas do caso, na busca da efetividade da tutela judicial (art. 4º do CPC/2015).
Com a nova extensão da legalidade em atenção aos preceitos fundamentais chegamos à presença dos tratados internacionais presentes no texto constitucional, art. 5º, § 3º, como novas fontes imediatas do processo civil, Humberto Theodoro Júnior [5] aponta que
o Novo Código é expresso em declarar que “a jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte” (art. 13). Ademais, foi criado um capítulo novo para disciplinar a cooperação internacional para facilitar o exercício da jurisdição que ultrapasse os limites do território nacional (arts. 26 a 41).
O conceito clássico de fontes do processo civil não abarca o microssistema dos precedentes e das súmulas vinculantes, pois não se enquadra no conceito das jurisprudências, uma vez que as jurisprudências possuem efeitos retroativos – por se tratar de uma coletânea de casos passados -, os precedentes e súmulas, por sua vez, possuem efeito prospectivos, porquanto se revestem de normatividade para o caso concreto recorrente e futuro [6].
Acerca da Teoria dos Procedentes no Código de Processo Civil de 2015, escreve Fernando Natal Batista [7] que
O código de processo civil (Lei nº 13.105/2015) inseriu, em nosso sistema jurídico, adepto à Escola do civil law, conceitos oriundos da teoria do stare decisis, tornando-o simbiótico com a Escola do Comoon law, no intuito de fortalecer os princípios da estabilidade e segurança jurídica dos julgados pelos órgãos judiciais.
A teoria dos precedentes judiciais, em linhas gerais, proclamam que os tribunais devem manter uma jurisprudência coerente e constante, possuindo previsibilidade de julgamento ante a força obrigatória de aplicação dos precedentes pelos juízes, ao passo que, como adverte DONIZETTI (2021), “no civil law, de regra, o precedente tem a função de orientar a interpretação da lei, mas necessariamente não obrigado o julgados a adotar o mesmo fundamento da decisão anteriormente proferida que tenha como pano de fundo situação jurídica idêntica”.
Também são novas fontes do direito, enquanto atos normativos editadas pelo Conselho Nacional de Justiça, as Resoluções decorrentes da multidisciplinariedade das fontes do direito, há, portanto, um direito processual civil que, não estão abarcados pela reserva da lei, porém, decorrente de normas administrativas. Nas palavras do Ministro Eros Grau [8]:
Dizendo-o de outra forma: se há um princípio de reserva da lei– ou seja, se há matérias que só podem ser tratadas pela lei — evidente que as excluídas podem ser tratadas em regulamentos do Poder Executivo e regimentos do Judiciário; quanto à definição do que está incluído nas matérias de reserva de lei, há de ser colhida no texto constitucional; quanto a tais matérias, não cabem regulamentos e regimentos. Inconcebível a admissão de que o texto constitucional contivesse disposição despicienda — verba cum effectu sunt accipienda.”
Outra novidade considerável, enquanto nova fonte do processo civil, é o chamado negócio jurídico processual, previsto pelo artigo 190 do CPC. Vejamos o que escreveu Luiz Rodrigues Wambier e Ana Tereza Basilio [9] sobre essa inovação:
Mas a grande inovação do CPC de 2015 consiste em criar uma inovadora modalidade de procedimento, que posemos classificar de especialíssima: a que deriva de negócios jurídicos processuais, por convecção das partes, de modo bilateral e no plano contratual; ou, ainda, de acordo com as partes, celebrado em juízo e de maneira mais complexa, para estabelecer o procedimento, no âmbito endoprocessual.
Dentre as várias regras que disciplinam o negócio processual no novo código, merece destaque aquela contemplada em seu art. 190. De acordo com esse dispositivo, se o processo versar sobre direitos que admitam autocomposição, as partes poderão, desde que capazes em sua plenitude, estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da demanda, isto é, àquilo que de especial e, portanto, merecedor de destaque, exista na questão de direito material a ser veiculada no processo. Nesse novo contexto normativo, as partes poderão convencionar, dentre outros temas, a respeito de ônus da prova, inversão cronológica de atos processuais, poderes, faculdades e deveres. E, como já afirmado, poderão pactuar sobre essas matérias antes mesmo do processo, o que significa inserir em contrato, público ou privado, negócio jurídico de natureza processual, que vai muito além da mera eleição de foro, admitida pelo código ainda em vigor. Se, no curso ou depois de extinta a relação jurídica, houver necessidade de ir a juízo, os contratantes, agora partes, irão submeter-se a procedimento, que deverá ser processado na forma e nos moldes ali pactuados.
Considerações finais
Observando o caminhar do Processo Civil é possível perceber que as fontes clássicas divididas como imediatas (lei e costumes) e mediatas (doutrina e jurisprudência) não são suficientes para abarcar as vastas áreas do direito e está fadado ao insucesso o operador do direito que se limitar a utilizar somente essas fontes, sem demonstrar o nexo entre as fontes clássicas e as novas fontes do processo civil.
É necessário se adequar ao avanço da realidade e considerar que muitas vezes a solução do caso concreto pode está presente no texto constitucional, no microssistema de precedentes e súmulas vinculantes ou nas resoluções do CNJ, observando, ainda, que o procedimento pode atingir seu objetivo de maneira muito mais efetiva e célere com a utilização do rito previsto em um negócio jurídico processual que verse sobre os direitos que admitam autocomposição.
Por fim, fica evidente que as Novas Fontes do Direito Processual vieram para ficar e tomar cada vez mais espaço no processo civil, na medida que trazem consigo inúmeros avanços jurídicos e sociais, com a efetivação da justiça para além do mero texto legislativo ou de decisões passadas e não vinculantes.
Brasil, Supremo Tribunal Federal. Ação de Declaração de Constitucionalidade nº 12-MC/DF, Rel. Min. Carlos Britto, RTJ 199/427.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. Técnica, decisão, dominação. 4 ed. São Paulo: Átlas, 2003, p. 226.
Natal Batista, F. (2021). A RECLAMAÇÃO ENQUANTO INSTRUMENTO DE ESTABILIZAÇÃO DOS PRECEDENTES REPETITIVOS E VINCULANTES: A DICOTOMIA DE ENTENDIMENTOS ENTRE O STF E O STJ. Caderno Virtual, 2 (51). Recuperado de https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/5890.
Natal Batista, F. (2021). CONSIDERAÇÕES JURISPRUDENCIAIS SOBRE AS MEDIDAS ATÍPICAS (ART. 139, IV, DO CPC/2015) NA TUTELA JURISDICIONAL EXECUTIVA: BREVE ESTUDO DA ORIENTAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Caderno Virtual, 1 (50). Recuperado de https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/cadernovirtual/article/view/5359.
Natal Batista, Fernando. Slides Aula 1. Matéria Optativa de Atualidades do Processo Civil. 2023.
THEODORO JÚNIOR, Humberto, 1938 – Curso de Direito Processual Civil / Humberto Theodoro Júnior. – 59- ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.
WAMBIER, Luiz Rodrigues; BASILIO, Ana Tereza. O Negócio Processual: Inovação do Novo CPC. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p. 140-145. 2016.
- FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. Técnica, decisão, dominação. 4 eds. São Paulo: Átlas, 2003, p. 226. ↑
- FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. Técnica, decisão, dominação. 4 eds. São Paulo: Átlas, 2003, p. 225. ↑
- THEODORO JÚNIOR, Humberto, 1938 – Curso de Direito Processual Civil / Humberto Theodoro Júnior. – 59- ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. Pag.31. ↑
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- Natal Batista, F. (2021). Slides Aula 1. Matéria Optativa de Atualidades do Processo Civil. ↑
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- WAMBIER, Luiz Rodrigues; BASILIO, Ana Tereza. O Negócio Processual: Inovação do Novo CPC. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 74, p. 140-145. 2016. ↑