PARTO HUMANIZADO E O DIREITO À ESCOLHA DA GESTANTE: HOSPITAIS E PLANOS DE SAÚDE PODEM INTERFERIR?

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O momento do parto, para muitas mulheres, representa não apenas o nascimento de um filho, mas também o exercício de uma vivência íntima, sensível e profundamente humana. No entanto, o que deveria ser uma experiência respeitosa e segura ainda é, em muitos casos, marcada por imposições médicas desnecessárias, negativas de cobertura por planos de saúde e intervenções hospitalares arbitrárias.

Nos últimos anos, cresceu no Brasil o movimento pelo parto humanizado, que busca garantir à gestante o protagonismo nas decisões relacionadas ao seu corpo e à forma como deseja parir. Ainda assim, muitos hospitais e operadoras de saúde insistem em impor restrições ao tipo de parto, à escolha da equipe, à presença de acompanhantes ou ao uso de protocolos padronizados que desconsideram a vontade da mulher.

Diante desse cenário, surge a pergunta central deste artigo: até que ponto hospitais e planos de saúde podem interferir na escolha da gestante?

Aqui, vamos apresentar os principais fundamentos legais e jurisprudenciais que garantem à mulher o direito à autonomia no parto, explicar o que caracteriza o parto humanizado e orientar sobre como agir quando há violação de direitos nesse momento tão delicado.

O QUE É PARTO HUMANIZADO?

O parto humanizado não é um modelo técnico específico ou uma contraposição ao parto hospitalar. Trata-se, na verdade, de uma abordagem centrada no respeito à mulher, à sua autonomia e ao processo fisiológico do nascimento, valorizando a escuta ativa da gestante, o consentimento informado e a redução de intervenções desnecessárias.

Nesse modelo, a gestante tem o direito de escolher:

  • o tipo de parto (natural, normal, com ou sem analgesia, cesariana quando indicada);
  • o ambiente (hospital, casa de parto ou domiciliar, quando assistido de forma segura);
  • a equipe de profissionais (médico, enfermeira obstetra, doula, etc.);
  • o plano de parto, documento onde registra suas preferências e limites.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda, desde 1996, que o parto seja conduzido com foco na fisiologia natural e no protagonismo da mulher, condenando práticas ainda comuns, como a realização rotineira de episiotomia, a restrição de alimentação, a posição supina obrigatória e o uso injustificado de ocitocina.

No Brasil, o Ministério da Saúde adota diretrizes semelhantes, reconhecendo que o parto humanizado promove melhores desfechos para mãe e bebê, reduz a violência obstétrica e respeita os princípios da dignidade humana, da autonomia corporal e da não medicalização excessiva.

Portanto, optar por um parto humanizado não é “abrir mão da medicina”, mas sim escolher uma assistência baseada na ciência, no respeito e nos direitos da mulher. Impor o contrário, seja por protocolos hospitalares ou por negativas de cobertura contratual, é contrariar não apenas boas práticas de saúde, mas também o ordenamento jurídico.

O DIREITO DA GESTANTE À ESCOLHA DO TIPO DE PARTO

A Constituição Federal assegura, como um de seus pilares, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e a autonomia individual. No contexto obstétrico, isso significa que a mulher tem o direito de decidir sobre o próprio corpo e sobre como deseja viver o processo do parto — dentro dos limites da segurança e da boa prática médica.

Esse direito não é apenas uma garantia teórica. Ele se materializa em diversos dispositivos legais e normas técnicas que colocam a gestante no centro das decisões. Entre eles:

  • Lei nº 11.108/2005 (Lei do Acompanhante): garante à parturiente o direito de ter um acompanhante de sua escolha durante todo o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no SUS e na rede privada.
  • Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): prevê a proteção integral da mulher e do recém-nascido, o que inclui o respeito ao processo de nascimento sem violência física ou psíquica.
  • Resoluções da ANS: estabelecem que os planos de saúde devem fornecer informações claras sobre o tipo de parto e respeitar a autonomia da gestante, especialmente em contratos que incluam assistência obstétrica.

Além disso, o Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, III e IV) protege o direito à informação adequada e clara, bem como o direito à proteção contra práticas abusivas, o que se aplica à recusa imotivada de procedimentos escolhidos pela gestante.

Na prática, isso significa que a gestante tem o direito de:

  • Escolher entre parto normal ou cesariana (quando não houver contraindicação médica);
  • Rejeitar procedimentos invasivos que não sejam necessários ou consentidos;
  • Ter respeitadas suas preferências sobre o ambiente do parto, uso de métodos não farmacológicos, presença de doula, entre outros.

A imposição do parto cesariano sem indicação clínica, ou a desconsideração do plano de parto elaborado pela gestante, configura uma violação direta a esses direitos — e pode, inclusive, configurar violência obstétrica, prática já reconhecida por diversos tribunais como fonte de responsabilidade civil e dano moral.

PLANOS DE SAÚDE PODEM RECUSAR O PARTO HUMANIZADO?

Não. Os planos de saúde não podem impor restrições arbitrárias ao tipo de parto escolhido pela gestante, tampouco negar cobertura ao chamado “parto humanizado”, quando este estiver dentro da cobertura contratada — especialmente em contratos com assistência obstétrica.

A tentativa de interferência na escolha da gestante, seja negando o parto humanizado, seja impondo a cesariana de forma padronizada, fere diretamente normas do direito do consumidor e da dignidade da pessoa humana.

Base legal:

  • O Código de Defesa do Consumidor (CDC) assegura, no art. 6º, o direito à liberdade de escolha, informação adequada e proteção contra cláusulas abusivas.
  • A Lei nº 9.656/98, que regula os planos de saúde, determina a cobertura dos eventos obstétricos, sem especificar um modelo único de parto.
  • A Resolução Normativa nº 368/2015 da ANS exige que os planos disponibilizem informações claras sobre taxas de cesáreas e promovam práticas baseadas em evidências — o que inclui o parto humanizado como opção válida e segura.

Práticas abusivas mais comuns:

  • Recusar cobertura a hospitais ou equipes que adotam protocolo de parto humanizado;
  • Impor a realização de parto cesáreo com base em “condições contratuais” ou “procedimentos-padrão”;
  • Limitar o número de profissionais que podem acompanhar o parto (médico, enfermeira obstetra, doula);
  • Negar o uso de métodos não invasivos e medidas de conforto, como banho quente, bola de pilates, liberdade de movimento, entre outros.

Tais condutas, além de contrárias à boa-fé objetiva, configuram cláusulas abusivas e práticas coercitivas, proibidas pelo art. 39 do CDC. Também há precedentes reconhecendo que a recusa imotivada ou o direcionamento forçado da conduta médica pelo plano de saúde podem configurar ilícito contratual com direito à indenização.

Importante lembrar: o fato de um parto seguir protocolos humanizados não o descaracteriza como parto hospitalar nem o exclui da cobertura contratual. O plano de saúde não pode condicionar o atendimento a modelos tradicionais, desconsiderando as preferências legítimas da gestante.

HOSPITAIS CREDENCIADOS PODEM INTERFERIR NA ESCOLHA DA GESTANTE?

Hospitais e maternidades, mesmo credenciados por planos de saúde, não podem desrespeitar a autonomia da gestante nem impor protocolos que contrariem suas escolhas informadas. Ainda que essas instituições tenham rotinas assistenciais próprias, estas devem se submeter ao ordenamento jurídico e aos princípios da ética médica, especialmente no que se refere à liberdade da paciente de decidir sobre seu corpo, seu parto e sua saúde.

O princípio da autonomia da paciente

A autonomia da gestante é protegida por diversos fundamentos legais, como:

  • O princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88);
  • O direito ao consentimento informado, previsto em códigos de ética médica e documentos internacionais de direitos humanos;
  • A resolução CFM nº 2.232/2019, que reconhece que o consentimento da paciente é obrigatório para qualquer intervenção.

Em outras palavras: nenhum procedimento pode ser realizado sem o consentimento livre e esclarecido da mulher, salvo em casos excepcionais de risco iminente e grave para a vida, o que deve ser documentado.

Exemplos de interferências ilegítimas:

  • Recusar a presença de profissional de confiança da gestante (como enfermeira obstetra ou doula);
  • Desconsiderar o plano de parto previamente apresentado;
  • Impor intervenções como episiotomia, tricotomia, uso de ocitocina ou restrição de movimento, sem necessidade clínica;
  • Forçar o encaminhamento para cesárea sem justificativa médica sólida, com base em “prática institucional”.

Tais condutas, quando praticadas contra a vontade da parturiente, podem configurar violência obstétrica, forma de violência institucional e de gênero que já vem sendo reconhecida por tribunais brasileiros como causa de responsabilização civil e indenização por danos morais.

Jurisprudência favorável:

Tribunais estaduais, como TJSP, TJMG e TJRS, têm reconhecido o direito da gestante de:

  • Ser assistida pela equipe escolhida (inclusive particular, dentro de hospital credenciado);
  • Ter respeitado seu plano de parto;
  • Recusar intervenções não justificadas, mesmo que protocolares;
  • Ser indenizada quando houver constrangimento ou violência obstétrica.

O PAPEL DO PLANO DE PARTO

O plano de parto é um instrumento de extrema relevância na garantia dos direitos da gestante. Trata-se de um documento, elaborado preferencialmente durante o pré-natal, no qual a mulher explicita suas preferências, escolhas e recusas quanto à condução do trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.

Mais do que uma formalidade, o plano de parto é expressão do direito à informação, ao consentimento prévio e à autonomia corporal da mulher, possuindo valor jurídico e ético reconhecido.

O que deve constar no plano de parto?

O plano pode conter, entre outros pontos:

  • Preferência pelo tipo de parto (normal, cesariana com indicação, sem intervenções desnecessárias);
  • Desejo de presença de acompanhante e/ou doula;
  • Rejeição a procedimentos como episiotomia, raspagem de pelos, administração de ocitocina sintética, jejum prolongado;
  • Preferência por parto em posição verticalizada ou liberdade de movimentação;
  • Contato pele a pele imediato, aleitamento precoce e não separação do bebê.

O plano de parto tem valor jurídico?

Sim. O plano de parto pode ser utilizado como prova de que a gestante manifestou sua vontade de forma consciente e antecipada. Isso é especialmente relevante em casos de:

  • Intervenções feitas sem consentimento informado;
  • Negativas indevidas de hospitais ou operadoras de plano de saúde quanto à adoção de práticas humanizadas;
  • Situações de violência obstétrica, nas quais o documento reforça a violação da vontade da gestante.

O Conselho Federal de Medicina, a OMS, a ANS e o próprio Ministério da Saúde incentivam o uso do plano de parto como instrumento de diálogo entre gestante e equipe assistencial.

Dica prática:

  • Apresente o plano de parto com antecedência ao hospital e à equipe médica;
  • Solicite protocolização ou assinatura de ciência;
  • Guarde cópia assinada — ela pode ser fundamental em caso de judicialização.

O QUE FAZER EM CASO DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS DURANTE O PARTO?

Infelizmente, muitas mulheres ainda vivenciam experiências marcadas por desrespeito, imposições indevidas e procedimentos realizados sem consentimento durante o trabalho de parto. Tais condutas, além de graves do ponto de vista ético e médico, podem configurar violação de direitos fundamentais e ensejar responsabilização civil e institucional.

Exemplos de violação:

  • Realização de cesariana sem justificativa médica plausível e sem o consentimento informado;
  • Impedimento da presença de acompanhante ou doula, mesmo diante de previsão legal;
  • Recusa de hospital ou plano de saúde em cumprir o plano de parto validamente apresentado;
  • Práticas invasivas e obsoletas realizadas sem ciência da gestante (como episiotomia sistemática, raspagem de pelos, amarração das pernas);
  • Humilhações verbais, imposição de silêncio, negação de analgesia sob justificativas morais ou subjetivas.

Tais situações podem configurar violência obstétrica, forma de violência institucional e de gênero reconhecida em decisões judiciais e por organismos internacionais.

O que pode ser feito?

  1. Documente tudo o que aconteceu: se possível, reúna prontuários, registros médicos, e-mails, mensagens e testemunhos. Guarde também o plano de parto com protocolo de recebimento.
  2. Solicite o prontuário médico completo: hospitais são obrigados a fornecê-lo mediante requerimento da paciente, sob pena de responsabilização.
  3. Registre denúncia nos órgãos competentes:
    • Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no caso de planos de saúde;
    • Ministério da Saúde, ouvidoria do hospital, conselhos regionais de medicina e enfermagem;
    • Ministério Público Estadual (violência obstétrica é questão de interesse coletivo).
  4. Procure apoio jurídico especializado: dependendo do caso, é possível ingressar com ação judicial pleiteando:
    • Danos morais e materiais pela violação de direitos;
    • Obrigação de fazer ou não fazer, para garantir atendimento humanizado futuro;
    • Medidas protetivas em caso de risco persistente à integridade física ou psíquica.

Importante:

A via judicial não se presta apenas à reparação financeira, mas também ao reconhecimento da violação da dignidade da mulher enquanto sujeito de direitos, o que possui valor simbólico e social profundo.

Conclusão

O parto é um dos momentos mais significativos na vida de uma mulher — e deve ser vivido com respeito, segurança e dignidade. A gestante tem o direito de escolher como, onde e com quem quer parir, com base em informações claras e respaldada por profissionais que respeitem sua autonomia.

Nem hospitais, nem planos de saúde, podem transformar esse momento em um ambiente de imposição, medo ou violência. Quando há desrespeito ao plano de parto, imposição de procedimentos sem consentimento ou negativa indevida de cobertura, há violação de direitos fundamentais — e essas condutas não devem ser naturalizadas.

A boa notícia é que o ordenamento jurídico brasileiro protege a mulher nesse momento tão sensível. Existem meios legais para garantir o respeito à autonomia da gestante e para responsabilizar quem, por ação ou omissão, causou dor, constrangimento ou sofrimento desnecessário.

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