A vida em condomínio demanda, por sua própria natureza, a observância de princípios fundamentais de convivência social, alicerçados no respeito mútuo, na urbanidade e no cumprimento rigoroso das normas previstas na convenção condominial, no regimento interno e na legislação aplicável. Nesse contexto, a manutenção da harmonia entre os condôminos é condição essencial para que o ambiente coletivo funcione de maneira ordeira, equilibrada e pacífica.
Dentre os fatores que mais comumente geram conflitos e litígios no âmbito condominial, destaca-se a perturbação do sossego, conduta esta que pode se manifestar de diversas formas, sendo uma das mais recorrentes aquelas associadas à guarda e ao comportamento de animais domésticos nas unidades autônomas e nas áreas comuns. Com o aumento significativo do número de pets nos lares brasileiros e o reconhecimento social e afetivo de seu papel como membros da família, crescem também os desafios relacionados à compatibilização desse direito com o direito dos demais condôminos ao sossego, à saúde e à segurança.
A POSSE DE ANIMAIS EM CONDOMÍNIOS: DIREITO GARANTIDO COM LIMITES
O ordenamento jurídico brasileiro, à luz do princípio da legalidade e das garantias constitucionais fundamentais, não veda a manutenção de animais domésticos em residências privadas, inclusive aquelas situadas em edificações condominiais. Tal permissividade decorre do direito de propriedade assegurado no art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal, bem como do direito à convivência familiar e à intimidade, igualmente tutelado pela Carta Magna.
Nesse sentido, entende-se que o tutor possui liberdade para manter animais em sua unidade autônoma, desde que a presença desses não implique violação aos direitos dos demais condôminos. Isto porque, conforme amplamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência pátria, os direitos individuais devem ser exercidos em consonância com a função social da propriedade e com os princípios da boa-fé, da razoabilidade, da tolerância e da convivência harmoniosa, sobretudo quando se trata de espaços coletivos como os condomínios edilícios.
A jurisprudência dos tribunais superiores, especialmente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem reafirmado esse entendimento, consolidando a orientação de que cláusulas genéricas de proibição da posse de animais em convenções condominiais não possuem eficácia absoluta. Segundo esse entendimento, somente em hipóteses excepcionais, devidamente comprovadas, é que se admite a restrição à permanência de animais domésticos, tais como nos casos em que reste evidenciado risco à segurança dos moradores, ameaça à saúde pública ou incômodo reiterado que configure perturbação do sossego e da ordem coletiva.
PERTURBAÇÃO DO SOSSEGO: QUANDO O ANIMAL PASSA A SER UM PROBLEMA
A simples presença de animais em unidades autônomas de condomínios edilícios não configura, por si só, infração às normas condominiais ou violação ao direito de vizinhança. Entretanto, a conduta inadequada do animal, aliada à omissão, negligência ou imprudência do seu responsável, pode ocasionar perturbações ao sossego e à salubridade do ambiente comum, o que configura violação ao disposto no artigo 1.277 do Código Civil, que assegura ao proprietário o direito de fazer cessar interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que habitam a vizinhança.
Dentre as condutas mais frequentemente apontadas como geradoras de conflito e desconforto no âmbito condominial, destacam-se os latidos constantes e excessivos, especialmente durante o período noturno, a emissão de odores desagradáveis decorrentes da ausência de cuidados higiênicos adequados, a circulação de animais desacompanhados ou sem coleira nas áreas comuns do condomínio, comportamentos agressivos direcionados a moradores ou visitantes, bem como o acúmulo de dejetos em locais de uso coletivo.
Tais comportamentos, quando reiterados e não coibidos pelos tutores, podem ser caracterizados como abuso do direito de propriedade, uma vez que ultrapassam os limites do uso regular da unidade autônoma e comprometem o convívio harmônico entre os condôminos, afetando diretamente o bem-estar, a segurança e a saúde dos demais ocupantes do edifício.
PREVISÃO LEGAL E REGIMENTAL
A disciplina quanto à permanência e circulação de animais em condomínios edilícios encontra amparo tanto na legislação civil quanto nas normas internas da coletividade condominial. O artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil estabelece, de forma expressa, que constitui dever do condômino “não utilizar a unidade de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”
Paralelamente à legislação geral, é comum que a convenção condominial e o regimento interno contenham disposições específicas acerca da manutenção de animais nas unidades autônomas, bem como sobre a sua circulação nas áreas comuns. Tais instrumentos normativos podem estabelecer, por exemplo, a obrigatoriedade do uso de coleiras, focinheiras (quando necessário), a proibição de acesso a determinados locais coletivos e a necessidade de remoção imediata de dejetos, tudo com vistas à preservação da higiene, segurança e tranquilidade dos moradores.
MEDIDAS ADMINISTRATIVAS E LEGAIS
Nos casos em que o comportamento de um animal doméstico ultrapassa os limites da razoabilidade e passa a perturbar a paz, a segurança ou a salubridade do ambiente condominial, a primeira medida a ser adotada deve ser pautada pelo diálogo direto entre os condôminos envolvidos. A autocomposição, fundamentada nos princípios da boa-fé objetiva e da convivência harmônica, deve ser sempre incentivada como forma de preservar as relações de vizinhança e evitar a judicialização desnecessária do conflito.
Persistindo a conduta lesiva e frustrada a tentativa de solução consensual, compete ao síndico na qualidade de administrador do condomínio e representante legal da coletividade adotar providências administrativas nos limites de sua competência, conforme previsão expressa na convenção condominial e no regimento interno. Entre as medidas aplicáveis, destacam-se a emissão de advertências formais, a imposição de multas e outras penalidades gradativas, sempre observando o devido processo administrativo interno e o contraditório.
É igualmente recomendável que o síndico mantenha registro documental das ocorrências, compondo um histórico detalhado da conduta infratora. Esse procedimento confere maior segurança jurídica à atuação do condomínio e serve como elemento probatório relevante para eventuais deliberações futuras.
Em casos mais complexos ou reiterados, nos quais a atuação administrativa isolada se mostra insuficiente, o síndico poderá convocar assembleia geral extraordinária, visando à deliberação coletiva acerca das medidas a serem adotadas, incluindo a possibilidade de alteração do regimento interno ou a aplicação de sanções mais severas, observadas as formalidades legais.
Somente em situações extremas, nas quais haja prova inequívoca de que a permanência do animal compromete de maneira grave e contínua a segurança, a saúde ou o sossego dos demais condôminos e esgotados todos os meios internos de resolução é que se justifica a intervenção do Poder Judiciário. Nesses casos, o condomínio poderá ajuizar ação com pedido de tutela jurisdicional específica, pleiteando medidas como restrições severas ao comportamento do tutor e do animal ou, em último recurso, a retirada compulsória do animal da unidade condominial, desde que devidamente fundamentada e respeitados os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
PREVENÇÃO E BOAS PRÁTICAS
A convivência com animais de estimação em condomínios é perfeitamente possível e assegurada por lei, mas exige responsabilidade por parte dos tutores e bom senso de todos os moradores. Para evitar conflitos e garantir um ambiente harmonioso, é essencial adotar boas práticas: treinar o animal, manter a higiene, evitar barulho excessivo, respeitar as normas internas e utilizar guias ou focinheiras, quando necessário.
A administração condominial, por sua vez, deve atuar de forma preventiva, promovendo ações educativas e mediando conflitos com base nos princípios da razoabilidade, tolerância e convivência pacífica.
PREVENÇÃO E BOAS PRÁTICAS
A presença de animais em condomínios deve ser pautada pelo equilíbrio entre o direito de propriedade e o direito à coletividade, tendo como norte os princípios da função social, razoabilidade, boa-fé, urbanidade e tolerância. O respeito mútuo, a comunicação clara e o cumprimento das normas internas são os pilares para uma convivência harmoniosa. Assim, cabe ao condomínio, por meio de gestão consciente e, se necessário, com respaldo jurídico, assegurar que os direitos de todos sejam respeitados, promovendo um ambiente saudável, seguro e cooperativo.